15.5.11

10. DISPARO DE HÉLICE

Hélice do Brasília.

Entre as informações que tenho sobre isso, algumas foram fornecidas por um piloto com mais de 3 mil horas no tipo!

Quando do projeto de uma aeronave, diversos fatores são levados em consideração, o conjunto moto-propulsor e sua adequação ao projeto são muito importantes. Turbinas têm como característica peculiar, uma elevada ‘marcha’ lenta, cerca de 70% de sua rotação máxima.

Em virtude disso, um conjunto propulsor turbo-hélice, tem maior capacidade de tração em ‘marcha lenta’ (idle) do que uma turbina.

O Brasília possui como característica, ‘disparar’ no táxi, obrigando a tripulação utilizar constantemente os freios para conter o avião na velocidade adequada. O que gera um desconforto para a tripulação e passageiros além de aquecimento e desgaste prematuro do sistema de freio das rodas.

Para sanar este problema, projetou um passo de hélice menor do que o mínimo, mas não ainda em reverso. Assim, durante o táxi, a tripulação leva a manete até o Ground Idle, no qual o ângulo da hélice não fornece tanta tração.

Mas, no projeto deste sistema em questão, surgiu um ‘efeito colateral’, dramático, que já ocasionou a morte de um familiar distante, oficial da FAB.

Em vôo, quando acidentalmente (e naturalmente) as manetes são colocadas nesta posição, normalmente na aproximação final quando a aeronave se encontra ‘alto’ ou ‘veloz’, o sistema muda o ângulo da pá para um ângulo inferior ao mínimo em vôo, quando o piloto reacelera, acontece o ‘disparo de hélice’ em que o sistema controlador de passo, com a hélice sob ação do vento relativo do deslocamento da aeronave e com o sobre giro da hélice em passo inferior ao mínimo, não consegue posicionar novamente a pá num passo maior do que o ‘de táxi’.

Caso isso ocorra em apenas um motor, a tripulação consegue com o outro motor apenas concluir a aproximação e o pouso, ao diminuir a velocidade do avião e consequentemente o vento relativo sobre as pás da hélice, o sistema posiciona novamente as pás e a hélice que disparou passa a funcionar normalmente.

Se acontecer com os dois motores, a possibilidade de perda de controle e pouso antes da cabeceira é quase certa, uma opção seria o piloto puxar o manche e quando a aeronave literalmente parar no ar, retomar o controle, manobra quase impossível numa aproximação final.

Para resolver esta questão, colocaram um pino limitador que impede que as manetes acionem este sistema. Então, volta-se ao problema antigo, mas sem dúvida ‘menos’ fatal.

Agora, minha opinião:

Inicialmente, tenham em mente a ligação entre os ‘pinos’ e os acidentes!

Em tempos de paz, o que leva um departamento de engenharia de uma empresa conceituada a fabricar uma aeronave com uma limitação operacional tão crítica só pode ser de cunho econômico. A pressa no lançamento do avião e entrega aos compradores, a amortização dos custos envolvidos no projeto, em suma, dinheiro.

Um excelente projeto coroado com um ‘pino de metal’, ou um famoso gato, tão pejorativo possa soar essa afirmação, mas sim, um gato e com as consequências intrínsecas da convivência do bichano com um mecanismo de extrema precisão que é ou deveria ser uma aeronave.

Será que não haveria outra forma de controlar o táxi ‘surtado’ do Brasília? Não haveria tecnologia para isso? Que tal um ‘retarder’, sistema conhecido em ônibus e caminhões, basicamente um freio eletromagnético instalado no eixo gardã próximo à caixa de marchas e capaz de gerar 300 hps de potência reversa! No avião, poderiam planejar um sistema mais modesto, que pudesse ser instalado em cada roda do trem de pouso principal, mas isso é só uma opinião minha, com certeza o departamento de engenharia deve ter soluções mais adequadas.

Uma pena que esta não foi à opção preferiu-se um modesto pino ou diversas recomendações e treinamentos que foram inúteis para aqueles que já estão em outra esfera e ao mesmo tempo em que se planejou frases para justificar os acidentes:

- Inobservância da tripulação nos procedimentos de aproximação...

- Falta de treinamento no equipamento...

- Falha da tripulação por causa da carga de trabalho...

Muitos acidentes com o Brasília envolvendo disparo de hélice foram ocasionados inadvertidamente pela tripulação, mas também de propósito por pilotos que gostam da ‘segurada’ na final que o sistema proporciona, o tal do cutucar a onça com vara curta.

É aquela questão da mina no quintal de sua casa. Treine sua família, a empregada, o cachorro e os vizinhos e dê diversas recomendações sobre a convivência com a mina. Mas mais cedo ou mais tarde ela vai explodir, pois é de sua natureza.

Em paralelo ao assunto, minha recomendação: Quando o mecânico falar com você sobre certos detalhes do avião, preste muita atenção e entenda o que ele está dizendo nas entre linhas sempre tendo em mente que toda a responsabilidade sobre o vôo é do comandante e que facilmente pode levar toda a culpa caso ocorra um acidente.

- Não suba muito!
‘Há uma falha na fuselagem e a mesma pode se romper se você subir para a altitude de cruzeiro’

- Feche a porta com cuidado!
‘Foi feito um gato na tranca da porta e/ou no sensor que indica porta mal fechada e a qualquer momento ela pode sair voando por conta própria para dentro da turbina ou arrancar o profundor’

- Vistorie com cuidado o capo do motor esquerdo!
‘ Um trava se partiu e foi feito o ‘conserto’ da trava com arame que, com a vibração da turbina, pode se partir e arrancar o capo do motor’

- Não utilize o compensador de ailerom!
‘A dobradiça deu problema, não existe uma nova para substituição. Portanto foi feita uma solda que reduziu em 70% a resistência da peça que pode quebrar a qualquer momento e ficar abanando a ponta da asa’

- Ignore determinado alarme!
‘Problema dos sensores que pode mascarar se o sistema em questão apresentar defeito de verdade’

- Não ligue as duas telas ao mesmo tempo!
‘Há uma sobre carga no painel e aquecimento da fiação, foi feito um gato no disjuntor para permitir o funcionamento da tela, mas se ligar tudo ao mesmo tempo pode acontecer um curto ou incêndio’

- Manere no torque!
‘Sistema de transmissão de torque ao rotor principal do helicóptero com limitações e propenso a quebras’

- Acelere no calço!
‘Sobre carga’

- Atenção na aproximação e no ponto de toque!
‘Avião com limitações e/ou falha operacional em algum sistema de frenagem’

- Nem vou tocar no assunto dos pinos e relês!

As ‘dicas’ sutilmente encobriam graves defeitos que foram fatores geradores de acidentes, por não entendimento simples da limitação operacional, por falha dos órgãos de fiscalização ou pela própria utilização da aeronave em si em oposição as mais elementares normas de segurança.

Ainda temos o Carajá e suas manetes de potência pinadas, pois as asas não suportam os mais de 650Hps da turbina PT-6 original.

Talvez o avião perfeito esteja longe, mas um passo importante para se chegar lá é uma visão mais humana e menos econômica, com um conhecimento mais profundo das conseqüências de um acidente ao frágil corpo humano no exato momento que toda a capacidade cerebral do ser humano não é capaz de se contrapor a simples e estúpidos pedaços de ferro e alumínio (e pinos!) retorcidos, não alimentar uma noção equivocada e egoísta de que ‘acidentes só acontecem com os outros’ e por fim, falta de companheirismo, profissionalismo e união entre os profissionais do ramo!

Se alguém pudesse dar mais luz sobre o assunto, seria interessante, pois ainda temos muitos Brasílias em operação.



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